AUTODETERMINAÇÃO É PARA TODAS AS PESSOAS! COMUNICADO:



10.05.18



Marcelo Rebelo de Sousa veta Lei e recusa autodeterminação de género

Após ter recebido o decreto da Assembleia da República, no dia 7 de maio de 2018, o Presidente da República mostrou que já tinha mesmo tomado a sua decisão antes, vista a rapidez com que devolveu o diploma ao parlamento. As deputadas e os deputados devem recusar a sua exigência mal mascarada de patologizar jovens trans!





O veto de Marcelo Rebelo de Sousa já vinha a ser anunciado pelos vários órgãos de comunicação social, desde que a lei foi aprovada pela Assembleia da República, no dia 13 de abril de 2018. Embora o Presidente tenha, por várias ocasiões, afirmado que não podia tomar uma decisão antes de receber o decreto, possíveis fontes do seu gabinete criaram um pressuposto do seu veto, com base em posições conservadoras de cunho católico, que agora se confirmou.


Embora Marcelo tenha partilhado, tanto no seu comunicado como numa recente entrevista ao jornal Público, que não vetava leis baseando-se nas suas convicções pessoais, e nomeadamente nas suas convicções religiosas, fingindo saber distinguir as atribuições do seu cargo enquanto chefe de um Estado laico e democrático, acabou mesmo por fazer o contrário. Mentiu. E a sua mentira é facilmente descoberta: afinal, o Presidente não evoca quaisquer motivos de força maior, de índole política ou outra, para sustentar a sua decisão, baseando-a somente em “duas considerações muito simples”, e que não passam de opiniões sem fundamento consistente.


A posição veiculada por Marcelo Rebelo de Sousa encaminha o estado português para um totalitarismo onde o Presidente da República se acha no direito de ingerência nas decisões da Assembleia da República, mesmo quando estas são tomadas em concordância com a Lei, num debate transparente e altamente participado como foi aquele em torno desta Lei – envolvendo tanto a sociedade civil como a comunidade científica (incluído a médica).


Compreendemos que o veto do Presidente da República é parcial, admitindo (embora contrariado, fazendo lembrar Cavaco Silva) a consagração do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género para pessoas maiores de 18 anos, assim como a consagração da proteção das características sexuais de cada pessoa, nos termos constantes no decreto aprovado por maioria no parlamento.


No entanto, a Ação Pela Identidade é perentória na sua posição: a exigência de um parecer clínico para reconhecer a identidade de uma pessoa, independentemente da sua idade, é inadmissível e uma afronta aos direitos humanos. O recuo exigido por Marcelo Rebelo de Sousa para promulgar a nova lei de “Direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e de proteção das características sexuais de cada pessoa”, deve ser recusado pela Assembleia da República sem hesitações.


Mais: a exigência de um parecer clínico nunca poderá constar numa Lei que pretenda levar o princípio da autodeterminação plasmado logo no seu título – salvo se houver intenção de legislar uma mentira. É também lamentável e insensata a insistência em confundir o reconhecimento jurídico do género nos documentos, com qualquer tipo de “intervenção cirúrgica para mudança de sexo”, tendo em conta que quem requer novos documentos, não tem de querer submeter-se a quaisquer intervenções cirúrgicas ou outros tratamentos.


Concluímos recordando que bastantes jovens trans aguardam a entrada em vigor desta lei para poderem exercer a sua cidadania e direitos básicos. “Hipoteticamente”, podem haver jovens dependentes de ter documentos de identificação concordantes com a sua identidade e expressão de género para, por exemplo, poderem escolher livremente uma instituição de ensino na qual possam ingressar livremente e em salvaguarda de situações de discriminação e/ou estigma.


A política deve ser feita com base em princípios e é impossível falar em justiça, quando não há decência. A patologização da identidade das pessoas trans nunca será feita em nosso nome. Às deputadas e deputados, deixamos o nosso pedido de que não recuem na consagração da autodeterminação de género – para todas as pessoas.




Lisboa, 10 de maio de 2018